Eu andei sem nada pelo mundo
Eu dependi da classe mais pobre dos mais pobres
Que vencedor que nada, eu não 'to aqui pra competir
Quem é que disse que a vida é uma competição?
Aí compete marido com mulher, vizinho com vizinho
Irmão com irmão, colega com colega
E nessa sociedade competitiva
A minha derrota é a minha vitória
Nasci pobre, favelado, sem recato e sem madrinha
Vi meu pai estuprar minha mãe, muito doido de farinha
Logo cedo fui pro mundo, assaltar, catar latinha
Tinha sangue nos meus olhos porque a raiva me convinha
Cresci na rua e vi a crua crueldade do animal
De cimento fiz a cama e de grades meu varal
Desprovido e excluído no sentido literal
Menos apto segundo o darwinista social
Aos vinte veio a sorte num abrigo milagreiro
Onde aprendi as letras e o ofício de pedreiro
Acordava ainda escuro, no flagelo por dinheiro
Não esperava do futuro o alívio derradeiro
Construí um shopping onde eu nunca passeei
Prédios e escolas onde eu nunca estudei
Ao lado de Mariléia eu formei uma família
E o amor que nunca tive, vi nos olhos da minha filha
No mar competitivo meu lar era uma ilha
Até que um dia o infortúnio cruzou a minha trilha
Canelas pretas e blindados invadindo a favela
Gritaria, moto-taxis, confronto na viela
Um senhor de braços fortes como um escravo de benguela
Agonizava nos meus braços, alvejado na costela
Toda a minha vida e o que vira até então
Fez sentido nas palavras desse velho ancião
Vítimas e algozes, todos somos, todos são
Nas metrópoles em chamas, irmão contra irmão
Não espero mais a morte, nem o norte nem o trem
Eu me chamo Pedro, e você sou eu também