Parece que alguém está me carregando perto do chão
Parece um sonho
Parece uma ilusão
A agonia, o desespero toma conta de mim
Alguma coisa no ar me diz que agora é o fim
Meu sangue ainda quente não sinto dor
A mão dormente não sente o próprio calor
Meu raciocínio fica meio devagar
Eu sei quem me fodeu
Mas não posso me vingar
Cresceu o movimento ao meu redor
Meu deus
Eu não sei mais o que é pior
Só vivia muito lôco o tempo inteiro
Alguém me fala; não morro agora parceiro
Me lembro de um fulano se aproximando
Com uma quadrada niquilada e descarregando
Pra meu pegar foi muito fácil
Pra sobreviver agora nem sendo mágico
Me lembro de várias coisas ao mesmo tempo
Várias recordações vem no pensamento
Na frase que coroa me dizia
Cuidado por onde anda
Cuidado com as companhia
Nunca dei atenção
Nunca ouvi
Quando fui me ligar já era tarde
Agora tô aqui
A ironia da vida é loucura
O diabo e a morte estão sempre a sua procura
Tem alguém me chamando, quem é?
Apertando minha mão reconheço a voz de mulher
O choro a faz engolia as palavras
O lenço que enxuga meu suor
Enxuga sua lágrima
No rosto de uma mãe que chora baixinho
Que nunca me deixou faltar, ficar sozinho
Me ensinou o caminho desde criança
Minha infância
Mais uma eu busco na lembrança
Na ignorância da periferia eu sou mais um
Rapaz comum
Apenas mais um rapaz comum
O que pega aqui
O que que acontece ali
Vejo isso na correria desde pivete
Quinze de idade já era o bastante então
Treta no baile irmão
Tiro de monte
Morte nem se fala
Eu vi um cara agonizando
E uma mina por socorro gritando
Depois ficava sabendo na semana
Que dois já era
O gueto sempre teve fama
No jornal, revista, tv se vê
Morte aqui, ali é natural de se vê
Caralho não quero ter que achar natural
Ver um mano meu coberto com jornal
É mal
Cotidiano genocída, reze pra achar
Encontrar uma saída
Me diga
Que adianto isso traz?
Me diga?
Sem justiça onde existe a paz?
A fronteira entre o céu e o inferno
Tá na nossa mão
Nove milímetros de ferro
Vou falar
Vou dizer uma parada pra você
Quando olhar no espelho
Então pense no que vou dizer
Nós estamos se matando por ponto de droga
Nós estamos se matando e quem se incomoda?
A arma é uma isca pra fisgar
Você não é policia que foi criada pra matar
Rá, tá, tá, tá
Virou um bola de neve
Vai morrer mais irmão
Sem perdão em breve
Rapaz comum
Apenas uma um rapaz comum
Parece que a hora tá chegando
Neurose aumentado
O coração parando
Eu vejo que de nada adiantou
Tudo que eu lutei, conquistei
Por aqui ficou
Eu vejo que o homem é traiçoeiro
Te mata por droga
Te mata por qualquer dinheiro
Ganância, orgulho, ofensa
Qualquer motivo é motivo pra quem não pensa
Então pensa
Quem vai criar a minha filha?
Quem vai cuidar agora da minha família?
A gente tava espera de mais um pivete
E eu não posso mais ver nascer o meu piveti
Não quero admitir que sou mais um
Mais uma vítima de um 121
Ali dentro da gaveta do necrotério
Ou na capela do velório no cemitério
Eu tô me vendo agra e é difícil
Minha família
Meus mano
No centro um crucifixo
Meus filhos chorando, chamando
Sem entender a diferença do
Bem, mal, matar ou morrer
Não acredito que esse puto veio até aqui
Me matou, quer certeza e quer conferir
Me acompanha até sepultura
Vejo um tumulto no caixão
É hora da amargura
Mais uma mão que não se controla
Perder o filho dessa forma violenta
Quem se conforma?
Como eu podia imaginar
No velório de outros manos
E hoje eu estou no lugar
No buraco desce meu caixão
Jogam terra, flores
Se despedem na última oração
Tão me chamando meu tempo acabou
Não sei pra onde ir
Muito menos pra onde vou
Qual que é?
O que eu vou ser?
Talvez a paz agora eu possa conhecer
Pode crê
Não sou o último
Nem muito menos o primeiro
A lei da selva é uma guerra
E você é um guerreiro
Rapaz comum
Apenas mais um rapaz comum