Quando eu nasci
Na cidade baixa
Me enrolaram numa faixa
Cor de rosa de cetim
Quando eu cresci
Dei a faixa de presente
Pra pagar uma promessa
Ao meu Senhor do Bonfim
No dia em que eu apareci no mundo
Juntou uma porção de vagabundo
Da orgia de noite
Teve choro e batucada
Que acabou de madrugada
Em grossa pancadaria
Depois do meu batismo de fumaça
Mamei um litro e meio de cachaça
Bem puxado
E fui adormecer como um despacho
Deitadinha no capacho
Na porta dos enjeitados
Cresci olhando a vida sem malícia
Quando um cabo de polícia
Despertou meu coração
Mas como eu fui pra ele muito boa
Me soltou na rua à toa
Desprezada como um cão
E agora que eu sou mesmo da virada
E topo qualquer parada
Por um prato de comida
Irei cada vez mais me esmolambando
Seguirei sempre cantando
Na batucada da vida
Encontrei o meu pedaço na avenida
De camisa amarela
Cantando a Florisbela oi
A Florisbela
Convidei-o a voltar pra casa
Em minha companhia
Exibiu-me um sorriso de ironia
Desapareceu no turbilhão da galeria
Não estava nada bom
O meu pedaço na verdade
Estava bem mamado
Bem chumbado atravessado
Foi por aí cambaleando
Se acabando num cordão
Com o reco-reco na mão
Mais tarde o encontrei
Num café zurrapa
Do Largo da Lapa
Folião de raça
Bebendo o quinto copo de cachaça
Isto não é chalaça
Voltou às sete horas da manhã
Mas só na quarta-feira
Cantando A Jardineira oi
A Jardineira
Me pediu ainda zonzo
Um copo d'água com bicarbonato
O meu pedaço estava ruim de fato
Pois caiu na cama
E não tirou nem o sapato
E roncou uma semana
Despertou mal humorado
Quis brigar comigo
Que perigo mas não ligo
O meu pedaço me domina
Me fascina ele é o tal
Por isso não levo a mal
Pegou a camisa
A camisa amarela
E botou fogo nela
Gosto dele assim
Passou a brincadeira
E ele é pra mim
Meu Senhor do Bonfim
Meu Senhor do Bonfim