Eu só me lembro da mão tremula segurando o isqueiro
O olho esbugalhado representa o desespero
De um homem sem face, invisível
Empurrando a vida na medida do possível
Eu desci de nível, me fudi, quebrei a regra
Quando eu permiti que meu destino virasse uma pedra de crack
Fui pro ataque, me joguei
Só quem sabe do passado 'tá ligado o quanto eu mudei
Vacilei, viciei, me dei mal
'To sofrendo
Cérebro fervendo
Derretendo
A caminho da derrota eu descendo
Fudido, fadado a ficar sozinho
Sei que tem pedra no sapato, eu tenho pedra no caminho
Caí no quarto escuro que não vejo a saída
Baguncei minha vida, passagem só de ida
No meio do lixo bati no fundo do poço
Já fui um cara forte e hoje é só pele e osso
As roupas cresceram ou eu que encolhi?
'To vivenciando um filme com roteiro que eu escolhi
Que tem a crackolândia como locação
'To numa prisão que não tem muro
Aqui é sem futuro é o final, o fim da linha
Meu mundo insignificante reduzido a uma pedrinha
Com o poder de destruir me transformou em um zumbi
Um escravo que não encontra força pra sair
Fugindo da policia como se fosse bandido
Eu nunca fui bandido só 'to sendo consumido pela droga da morte
'To sendo prejudicado, o crack é uma praga que esculacha o viciado
Me fez perder família desonrou meu nome
Perdi meus documentos a decência, a fome
Muito sujo, vários dias sem banho
Vivendo como um rato num buraco só me atraso É sem ganho
Me acho estranho como nunca me senti, da primeira tragada pra cá eu já morri
Deixei de existir, já 'to vivendo em luto desde o dia que botei a cara embaixo desse viaduto
Virou do lado avesso, perdi meu emprego
Facilitei a porra toda e pela maldita eu fui pego
Fiquei surdo, com a visão embaçada
Minha história evaporando em uma lata amassada
Me restando apenas o cheiro da miséria misturado com prostituição e doença venérea
Euforia e a depressão quando eu me jogo de cabeça na drogadição
Fora do trilho, maltrapilho, sem meu filho, com o dedo no gatilho foi o que senti
Sou passageiro da agonia carregando pedra na cabeça todo dia
Escravo da fissura, abalou a minha estrutura
Acedendo o fogo e apagando a chama vou envergonhando a família que me ama
Kriptonita queimando na parte prateada do copo de Guaravita
Pedra no meio do caminho
Pedra no meio do caminho
Vagando como um cão sem dono sujeito ao abandono
Perambulando pela pedra me perdi no sono
Desenvolvendo comportamento agressivo
Sobrevivo aqui no sub-mundo, mas estou longe de 'tá vivo
Com esse peso na cabeça que me atrasa
É foda todo dia ver parte de mim virando brasa
O bagulho é cruel não polpa ninguém
Tem novinha? Tem criança? Tem ladrão? Tem
Sexo grupal e o vício querendo mais, aliás, um boquete aqui custa três reais
Tudo fora do lugar, tudo errado, nada certo
Nem os traficantes quer que a gente fique por perto
(Por quê?) Chama atenção
(Por quê?) Vira notícia
Muito assalto na quebra e o bagulho lota de polícia
Fica salgado, cada um vai pro seu lado
Eu saiu desequilibrado, todo arrebentado
Sistema imunológico fraco a cada trago, mais estrago cada vez mais magro
Eu tenho medo da viatura, internação compulsória, não quero ser levado pela prefeitura
Eles não sabem o que fazer com gente como eu
Pensei que fosse fácil de parar foi o que me fudeu
Quando o assunto é crack a lei é lerda, muda plano, sai governo e continua a mesma merda
Família? Virou pedra
Patrimônio? Virou pedra
O coração ainda bate, mas está morto porque virou pedra
Mas uma paulada, fumaça fica presa na garganta atravessada
Todo me tremendo me sentindo doente
Uma mistura de mendigo com narco dependente
E essa dependência 'tá ligada a violência
Que nos leva pra pista pra tentar roubar o turista
Assim eu saiu da invisibilidade quando atrapalho o trânsito pesado na cidade
Se um carro atropelar, matar e acabar tudo ninguém vai se importar com a morte de um crackudo
Com dente estragado, cabelo desarrumado dando um trago na desgraça, dinheiro virou fumaça
Gostaria de parar, mas a parada é mais forte
Me tirou o poder de decidir, me deixou um corte profundo me transformando em lixo do mundo
De exemplo de pessoa à crackento vagabundo
Fase terminal no meu atestado clínico, alucinações de um dependente químico
Euforia e a depressão quando eu me jogo de cabeça na drogadição
Fora do trilho, maltrapilho, sem meu filho, com o dedo no gatilho foi o que senti
Sou passageiro da agonia carregando pedra na cabeça todo dia
Escravo da fissura, abalou a minha estrutura
Acedendo o fogo e apagando a chama vou envergonhando a família que me ama
Kriptonita queimando na parte prateada do copo de Guaravita