O meu coração
Ganha dez novas donas
A cada dez minutos
Não é por ser maldoso
Tem é muito de guloso
De querer todo o carinho
Faz-me ficar sempre sozinho
O meu coração
Não me deixa ter mistérios
Basta ver uns olhinhos
E solta-se em refrigérios
Às vezes, ouço
Em murmúrio ternurento
Doce sonata
Que canta só e cinzento
'Sou um velho piano
Que ninguém quer afinar
Sou um calhau enorme
Que querem jogar ao mar
Se me deixassem, viam que tenho tanto para dar...
O meu coração
Leva sempre a melhor de mim
Faz-me saltar abismos
Vezes sem conta nem fim
Faz-me olhar a tempos idos
Coisas sem igual!
E quer novos amores
Para corrigir o que fez mal
Já sei, és um piano
Que ninguém quer afinar
Calhau enorme que pertence
Ao fundo do mar
Ninguém te quer?
Olha, é por te ouvir sempre a queixar!
Se te calasses
Vias que há tanto para escutar
Mais do que queria
Penso em escondê-lo
Ceder ao gelo
Dar-me à outra alegria
Só que ponho os pés pelas mãos
E volto a tropeçar
No coro que, dentro de mim
Persiste em cantar
'Sou um piano velho
E o meu maestro é o fel
Orquestra sinfonias
Que o fermentam até ser mel'
E vejo agora
Sem uma nuvem no céu
Que se não fosse o meu coração
Eu era só mais um trapalhão